
Do alto, olhar atento.
Foto e texto: Orley
Espaço destinado à sensibilidade. Aos criadores e suas criaturas. Para tudo aquilo que nasce, cresce e transborda dos criadores e não deve ficar só para os mesmos. Dedico para todos e tudo aquilo que me inspira.
Do alto, olhar atento.
Durante muito tempo fiquei assim, com as palavras saltando e pulando, pulando do coração.
Muita gente estranhava, afastavam, olhavam aquele estranho brotar de dentro do meio peito que me acompanhava por onde estivesse. Mas eu nem ligava, estava feliz, não importava o que dissessem.
Um dia, as frases foram minguando, as palavras secando e as letras pararam de pular. Fiquei triste sem saber como reativar aquela sensação, mas nada pude fazer.
Tempos passaram e a sensação voltou, as letras romanas, itálicas, maiúsculas ou minúsculas, não importava, voltaram a brotar, criavam frases doces, linhas carinhosas, diziam de boa vontade, superação, abnegação, aquelas coisas que só podiam sair do coração. Brotou até uma frase que nunca havia proferido, caiu, formou, mostrou e ficou registrada.
Pouco tempo passou, uns poucos meses, porem muitos dias, menos de 60 talvez, recolhia as frases por onde caiam, guardava e contava orgulhoso, frases evidentes, correntes, transparentes, envolventes, saídas do fundo do coração. Mas estranhei, o fato estranho, inusitado, único talvez, não despertava interêsse. Virara banalidade? Tornara-se algo patético, pouco poético? E pouco a pouco as frases foram ficando incompreensíveis, as letras não mais se encaixavam, não agradavam e foram sendo substituidas por uma sensação de desapontamento, de solidão, de abandono e de arrependimento.
Num momento preciso, o peito parou de pulsar, um estrangulamento, um sufoco, uma falta de ar. Tremi, senti o sangue subir, a boca emudeceu, os olhos abriram e uma dor na cabeça forte, terrível, latente e para meu espanto, uma frase nítida pulou da cabeça e não do peito. Frase curta mas totalmente legível, caiu na mesa sob meus olhos e puder ler. Na mesa eu li, estava lá, claro, em maiúsculas, corpo 42, grande. PARA QUE?
Depois deste dia, as palavras não mais saíram de meu peito. Agora sei que não depende de mim. Eu não consigo tirar estas frases, elas tem que sair expontaneamente. Talvez alguém consiga chacoalhar novamente meu peito e as palavras brotem. Mas tem que chacoalhar com carinho, tratar com delicadeza, valorizar as palavras que dele brotam. Talvez seja exibido, quer atenção, quer que entendam as doces palavras que dele brotam. Não quer pedras, quer mel e nada de fel. Este peito nasceu para pulsar e não para apanhar. Pobre peito poético, patético, querem te tornar cético. Querem que se equipare ao sândalo, que perfume os machados que o ferem. Não se conformam que já emudeceram este peito, secaram as lindas palavras que dele jorravam. Ai de ti pobre peito poético, quieto e atacado. Mas de ti não sairão palavras de rancor, de desamor, de agressão ou de ataque. Para os que não te entendem, criticam sem razão, lançam culpas que a ti não cabem, responde com o silêncio. Afinal, as últimas palavras que vi lançar ao espaço foram PARA QUÊ?
Foto e Texto: Orley
Sou um empalhador de cadeiras.
Ninguém mais quer alguém que empalhe cadeiras.
Honesto, sincero, fiel e de boa vontade, mas um empalhador de cadeiras.
Faço tudo com muita boa vontade, tranço, puxo, aperto, sou exigente comigo mesmo, minhas cadeiras ficam perfeitas, mas sou um empalhador de cadeiras.
Luto para que as pessoas enxergem as qualidades de minhas cadeiras, mas ninguém mais parece querer se importar com cadeiras empalhadas.
Deixo muito amor no que faço, alias em materia de amor, me desdobro, me esforço, me entrego, pulo de cabeça, de peito aberto, me dou por inteiro, faço das tripas coração para que reconheçam a intensidade e a sinceridade do sentimento oferecido. Procuro ser gentil, doce, terno, preocupado com os outros, acabo me doando sem ter recíproca, afinal, sou um empalhador de cadeiras, parece que ninguém se interessa por isto.
Fico solitário, tecendo, trançando, dando formas e vida para velhas cadeiras abandonadas e acabo me pegando sozinho, na rua, exibindo meus dotes para alguém que passe, pare e se interesse por um velho empalhador de cadeiras.
Minhas mãos já não tem mais a firmeza de antes, meus olhos doem, as costas ficaram arqueadas, mas as cadeiras, estas sempre ficarão perfeitas.
Pena que ninguém mais reconhece um bom empalhador de cadeiras. As pessoas procuram cadeiras que se ajustem a elas mesmas, só a elas, para ninguém mais sentar. São cadeiras individuais, não que não tenham defeitos, mas tem que servir ao propósito, independente das qualidades. Cadeiras que se amoldem ao dono. Não são boas cadeiras, apenas lugares para sentar, mas servem e estão na moda. Eu nunca serei um bom empalhador deste tipo de cadeira. Cadeiras para se usar e jogar fora.
Ei! Senhora! Precisa de um bom empalhador de cadeiras?
Foi mais uma que passou, não viu, nem ouviu.